escultura

A LINGUAGEM

A Cerâmica no Espírito Santo

Para tratar sobre o assunto abriremos espaço para a Professora Doutora da Universidade Federal do Espírito Santo Maria Regina Rodrigues. Pretendemos com isso disponibilizar ao leitor um texto[1] que foi produzido por quem vivencia a linguagem cerâmica, tanto como artista, quanto como professora.  

“É importante considerar que, a nossa cerâmica consta de um legado indígena e uma cerâmica popular, basta olharmos para as urnas funerárias encontradas na nossa região. São vasos de forma quase sempre globular, nelas contido geralmente o cadáver devidamente preparado. Hoje esses elementos ritualísticos são vestígios que presentificam os nossos antepassados. As paneleiras é um exemplo vivo do legado popular, em particular das mulheres do bairro Goiabeiras em Vitória. São elas quem fabricam panelas para cozinhar a também popular muqueca capixaba. O orgulho da tradição familiar se expressa pela repetição, desde a retirada do barro à queima ao ar livre, um aprendizado que se manifesta desde cedo, na convivência da filha com a mãe no espaço de trabalho.

Mas o fazer cerâmico hoje, não se limita apenas às panelas, temos como exemplo, Zuilton, um ceramista que se radicou em Vitória na década de 80, e hoje dedica a cultura popular, principalmente à cultura africana. Zuilton convive com o Grupo Roda Dágua, e com eles pesquisa a banda de congo, transpondo sua aprendizagem para cerâmica no tambores, apitos e máscaras de cerâmica.

Os primeiros ateliers em Vitória foram criados por Ítala Durão, Monika Van Glinski e Cristina Oliveira. Ítala, foi a primeira ceramista que abriu seu atelier para a comunidade capixaba, passando seus ensinamentos para diferentes faixas etárias. No início dos anos 80, Monika, uma ceramista americana, escolheu Jacaraipe para montar seu atelier com o intuito de fazer utilitário, onde viveu por dez anos. Cristina trabalhou com Monika por um ano, ampliando seu conhecimento cerâmico, para em seguida, montar seu próprio atelier, buscando matérias primas da região para desenvolver seus esmaltes e massas cerâmicas, aprimorando seu fazer artístico.

A partir de 1994 a Universidade Federal do Espírito Santo tornou-se ponto de referência na produção de uma cerâmica mais voltada para linguagem plástica, com isso os alunos começaram a participar ativamente da oficina. Esta convivência resultou em vários trabalhos de graduação, algumas pesquisas e grupos de estudos, dentre eles podemos citar o Grupo Queima, um grupo de alunos e ex-alunos, que se uniram para estudar e fazer cerâmica, resultando em várias exposições”.

O Ensino da Arte

A EDUCAÇÃO EM ESPAÇOS EXPOSITIVOS

Na história do homem é secular a mania de colecionar e guardar tesouros. As elites governantes sempre se preocuparam em desfrutar, de forma privada, os bens artísticos. Somente a partir da Revolução Francesa que os museus e instituições culturais passaram a ser vistos como lugares públicos. Foi inovador para a época dar acesso ao espaço, mas somente abrir as portas para o povo seria insuficiente. Foi necessário criar programas educativos que buscavam desmistificar o caráter elitista da arte. As primeiras instituições culturais a aderir essas idéias foram os museus de arte da Inglaterra e os dos Estados Unidos, ambos no final do século XIX.

No Brasil, algumas propostas isoladas apareceram nas décadas de 50, 60 e 70. Essas propostas estavam atreladas as idéias modernistas de livre expressão. Somente nos anos 80 que iniciou-se a mudança no enfoque metodológico dessas instituições, principalmente em 87, quando passou a ser sistematizada a “Proposta Triangular”, no  Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, sob a direção de Ana Mae Barbosa. Essa proposta envolve três vertentes: o fazer artístico, a leitura da imagem e a história da arte.

A leitura da obra de arte envolve o questionamento, a busca, a descoberta e o despertar da capacidade crítica dos alunos (pensando no aluno como indivíduo participante do processo educativo, seja ele integrante ou não de instituições de ensino). As interpretações que nascem nesse processo não são passíveis da redução de certo/errado. Podem ser julgadas por critérios como a pertinência, coerência, possibilidade, esclarecimento entre outros. Mas o mais importante é que a leitura ressalte a obra de arte e não somente o artista.

Outro pilar da metodologia triangular é o fazer artístico. Fazer arte é construir formas em espaços diversos (bi e tridimensionais). Nas artes plásticas é também experimentar várias possibilidades, como desenhar, pintar colar, gravar, fotografar etc. Dentro dessas possibilidades é preciso pesquisar e utilizar os mais diversos materiais e instrumentos (giz de cera, tinta, lápis de cor, argila, goivas, máquinas fotográficas, fotocópias etc.). Além disso, é importante saber reconhecer os elementos básicos da linguagem visual: os pontos, as linhas, as cores, os planos, as formas, os volumes e o equilíbrio. Desta forma os alunos aprendem a sintaxe da arte e passam a operar melhor a linguagem artística, podendo fazer e reconhecer as formas da e na arte.

Além da leitura da obra de arte e o fazer artístico a metodologia triangular propõem o entendimento da história da arte. Compreender as obras de arte diz respeito ao conhecimento do por que, quando e onde elas foram produzidas. Para isso é necessário pesquisar para contextualizar. Ao contextualizar estamos operando no domínio da História da Arte e outras áreas do conhecimento necessárias para determinado programa de ensino. Assim, estabelecem-se relações que permitem a interdisciplinaridade no processo de ensino-aprendizagem, cria-se então, além de uma interação dinâmica entre as partes e o todo, uma possibilidade de trabalhar junto com outras áreas do saber. Construindo no aluno um conhecimento mais universal, e por isso completo.      

O ACESSO À PRODUÇÃO ARTÍSTICA

Os espaços em que as imagens se apresentam hoje na sociedade são incontáveis. Encontramos imagens artísticas na mídia, em livros através de reproduções e também nos museus e galerias de arte. É importante citar a grande importância que tem e teve as reproduções das obras de arte. Esse fator contribuiu para a democratização da arte, pois a tornou acessível à grande maioria das pessoas, retirando da obra o aspecto sagrado e elitizado. As reproduções são recursos importantes para a iniciação estética, apesar disso, é importante ressaltar que a possibilidade de ver a obra de arte ao vivo, em museus e galerias proporciona relações mais intensas com o objeto artístico. Nesses momentos somos convidados a olhar as texturas, as cores reais (que são ofuscadas pelas reproduções), ver também as proporções, além de poder girar em torno de obras tridimensionais. Sobre esse assunto Fayga Ostrower argumenta: “...para se entender a mensagem de uma obra de arte, a presença física da obra é indispensável. Temos que apreender suas formas assim como o artista elaborou, os desdobramentos da matéria assim como ele a compreendeu. Por mais úteis que sejam as fotografias e as reproduções, deve ficar claro que elas jamais poderão substituir as próprias obras.”(Ostrower, 1990, p. 222)

A PARCERIA ENTRE O ESPAÇO EXPOSITIVO E A ESCOLA

No mundo globalizado, as instituições de ensino (seja ela qual for, atendendo alunos de diferentes vertentes ou instituições para idosos, deficientes, etc.) precisam integrar-se a esse novo contexto e seus novos saberes. Uma das soluções para colocar a escola ou instituição específica inseridas nesse “novo mundo” seria a integração com diferentes espaços, tais como as galerias e os museus de arte. Dessa forma elas sairiam do isolamento em relação ao mundo exterior desvinculando-se das suas práticas tradicionais, propondo ao aluno adquirir conhecimentos utilizando outro espaço e outros objetos. O prolongamento dos muros é muito importante porque oportuniza o acesso a pessoas que nunca estiveram em espaços alternativos para a educação, como as galerias e museus de arte. Dessa forma, fica socializado um espaço que por muito tempo foi e ainda é nos dias de hoje elitizado.

É preciso ressaltar também a importância do papel do professor (ou de pessoas que assumam dentro das variadas instituições esta função), como mediador das relações entre espaços expositivos e escola/instituições diversas. Pois é ele que estabelece os primeiros contatos com o espaço expositivo, é seu interesse e sua disponibilidade que criam a oportunidade dos alunos entrarem em contato com as obras de arte. Para que o conhecimento se efetive é papel desse profissional dar continuidade na sua instituição de origem aos projetos, as idéias e discussões iniciadas na galeria/museu criando assim, novos questionamentos, novas possibilidades de aprendizagem.

SUGESTÕES DE PROJETOS EM SALA DE AULA

Os projetos a seguir partem de questões que envolvem de certa forma o processo de criação do artista Irineu Ribeiro, e podem ser adaptados ao público que se pretende atingir. Ou seja, os projetos são apenas sugestões que o professor pode modificar de acordo com seus alunos, visando propiciar, de forma mais adequada, a formação estética deles.

Projeto Preparando o Olhar

Acreditamos que os alunos devam ser preparados e estimulados para a visita à galeria. Isso não quer dizer que o professor deva descrever as imagens que os alunos encontrarão na galeria, nem explicar todo o tema da exposição antes da visita. Vale a preparação que estimula a ida à galeria, não a que retira o fator surpresa que envolve o conhecer as imagens. 

A idéia para esse projeto seria provocar uma discussão em sala de aula sobre manifestações populares. Sugerimos que os alunos entrevistem membros de sua família, pais, avós, tios, buscando levantar as seguintes informações: quais festas populares eles freqüentavam, quais as brincadeiras de rua que eles conhecem, quais as comidas típicas que gostam, quais as crenças populares que eles conhecem. Com esse apanhado o professor poderá montar um painel para trocas de informações.  

Projeto Congo Capixaba

Esse projeto pretende valorizar a cultura capixaba. No Espírito Santo existem muitas bandas de Congo, essa expressão popular precisa ser conhecida pelos alunos. Desta forma eles passam a respeitar e valorizar a cultura popular.

Existe uma variação do Congo de cada região. O Congo da Serra homenageia São Benedito, já o congo de Roda-dágua, em Cariacica, homenageia Nossa Senhora da Penha. É um carnaval de máscaras. Existem particularidades em cada região.

A proposta do projeto é evidenciar essas diferenças fazendo com que os alunos conheçam como se produz os instrumentos utilizados nessas manifestações culturais, assim como as letras das músicas e a contextualização histórica das diferentes bandas de congo. Caso seja possível seria interessante conhecer a Casa do Congo Mestre Antônio Rosa, no município da Serra, que é um dos poucos espaços no Espírito Santo preocupado com preservação e divulgação do acervo iconográfico, sonoro, documental e de objetos do congo.

Eles poderão montar uma exposição com os dados pesquisados, assim como expor suas produções artísticas realizadas sob a inspiração das novas descobertas.

Existe um texto na internet que traz um apanhado histórico, das letras das músicas e os instrumentos do Congo no site:
www.estacaocapixaba.com.br/textos/folclore/gsn/congo/congo_funarte.html

Projeto Panela de Barro

Pode-se iniciar esse projeto com uma vista as paneleiras de Goiabeiras. Os alunos poderão presenciar o preparo das panelas de barro e o processo de queima dos objetos. De volta a sala de aula poderiam criar suas próprias panelas ou objetos que se relacionam ao que eles vivenciaram na visita. Para complementar seria interessante mostrar o livro Torta Capixaba que traz todo o processo que envolve a produção deste prato típico, desde a cata e pesca dos crustáceos e peixes até a feitura da panela de barro.

Torta Capixaba, livro de Luiz Guilherme Santos Neves e Renato Pacheco, com fotos de Alex Krusemark, pode ser encontrado no saguão do aeroporto de Goiabeiras, bancas de jornais e livrarias.

Projeto Manguezal

Dentro do percurso artístico de Irineu Ribeiro percebemos a sua preocupação com a preservação ambiental. Para esse projeto seria interessante o trabalho interdisciplinar. A ajuda do professor de Biologia ou de Ciências, colaboraria com o entendimento da discussão sobre preservação do manguezal.

Dentro das várias etapas que pode ter o projeto sugerimos que seja feita uma expedição ao manguezal onde os alunos coletariam objetos, lixo, raízes, folhas secas e outros elementos para criarem uma instalação artística. Desta forma o projeto poderia culminar em uma exposição de todo o processo vivenciado pelos alunos. 

Rota Manguezal

O passeio percorre sinuosos braços de rio com canais históricos, que desenham o limite geográfico da capital. A visita inclui o antigo Cais do Hidroavião, Ilha da Pólvora (com as ruínas do antigo hospital), Ilha do Cal, Santuário de Santo Antônio, Foz do Rio Bubu, Ilha das Caieiras, Foz do Rio Santa Maria, Canal dos Escravos, Estação Ecológica Municipal Ilha do Lameirão (com parada para banho) e Maria Ortiz. Retorno ao Cais do Hidroavião.

Duração: 2 horas - Local: Cais do Hidroavião (Santo Antônio) - Horário: 10 e 15 h

CLUBE DO TURISMO – clube@clubedoturismo.com.br

O momento da visita

Apresentação da galeria

Ao chegarem à galeria os alunos serão convidados a caminhar entre as obras expostas. Essa operação auxilia nos primeiros contatos entre o monitor e o grupo, pois incita o olhar e o diálogo entre eles. Esse momento pretende introduzir o assunto a ser abordado durante a visita, despertar a consciência dos participantes acerca da mudança de ambiente, que requer uma outra presença e uma outra atenção do indivíduo. Estar na galeria implica em uma outra condição visual, sensível, intelectual, espacial e temporal.

O PERCURSO DA VISITA

PRIMEIRO MOMENTO – Conhecendo o percurso do artista

Nesta fase os visitantes conhecerão o percurso artístico de Irineu Ribeiro. Para tanto, farão uma leitura comparada de obras que representam à trajetória do artista, na sala anexa à galeria.   

SEGUNDO MOMENTO – Lendo Imagens

Nesta etapa os alunos farão uma leitura das esculturas que integram a exposição “Barro Nosso de Cada Dia”. Serão observados aspectos formais, temáticos e contextuais das obras.  

TERCEIRO MOMENTO – Produzindo esculturas

Inspirados em tudo que viram e sentiram os alunos farão uma produção artística utilizando a mesma técnica do artista, a escultura em barro.

SEXTO MOMENTO – Avaliando a visita 

Nessa última fase os alunos avaliarão a visita, e todas suas etapas, coletivizando o sentido construído de tudo que foi vivenciado. 

referências bibliográficas

BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.

BUORO, Anamélia Bueno. Olhos que pintam : a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretária do Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 1997. v.: Arte – Séries Iniciais.

FOERSTE, Gerda Margit Schutz. Leitura de imagens : um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004.

Gatti, Bettina. Diários: Elpídeo Malaquias de Souza. Vitória: Lei Rubem Braga, s/data.

MARTINS, Mirian Celeste, PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Teresinha. Didática do Ensino da arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 1998.

PARSONS, Michael J. Compreender a arte: uma abordagem à experiência do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo. Lisboa: Editora Presença, 1992.

ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens que falam : leitura da arte na escola. Porto Alegre: Mediação, 2003.

JANSON, H. W. História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

[1] Fragmento alterado do texto escrito para a Exposição “Cerâmica”, Casa Porto das artes Plásticas, 2002.

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