A TÉCNICA
A exposição Metal Madeira apresenta a produção em gravura de Gabriel Vieira e Gian Shimada. Como o próprio nome da mostra sugere, serão encontradas nesta exposição tanto imagens elaboradas com a técnica de gravura em metal, a litografia e a xilogravura que tem como matriz a madeira. Os dois artistas dominam e produzem a partir das duas técnicas, mas para a exposição resolveram dividir as atribuições: Gabriel Vieira apresenta obras em xilogravura e Gian Shimada em metal. O intuito desta divisão tem uma explicação:
“Dada a especificidade e valores dessas duas técnicas, decidimos priorizá-las, para bem contrastá-las e expormos seus recursos e valores, visto serem inversas tanto na gravação, quanto na impressão”.(Gian Shimada)
A fronteira entre as duas técnicas utilizadas na mostra não é de forma alguma rígida, visto que Gabriel Vieira apresentará, misturadas aos seus trabalhos de xilogravura, algumas obras recentes produzidas em metal, mas não esconde o fascínio que a xilogravura exerce sobre ele:
“Às vezes me pergunto o porquê. Creio que devem ser os valores de branco permeando os negros ou a luz trazida por uma lâmina bem afiada na superfície escura. Prefiro pensar que eu gosto mesmo. E encaro cada matriz como um novo desafio à minha altura, admito que algumas vezes não passo de uma pequena pedra diante de uma montanha”.
Gabriel Vieira utiliza diversos tipos de madeira como a maçaranduba, o pau-marfim, a peroba do campo e a peroba rosa. Segundo ele, cada uma com suas especificidades, provocando conseqüentemente resultados finais diferentes no momento da produção artística. Nada melhor do que as palavras do próprio artista para detalhar mais precisamente a sua técnica:
“Não existem mistérios ou segredos na gravação. Madeira é o suporte para a maior parte dos meus trabalhos. Na exposição Metal Madeira apresento xilogravuras de topo. Este processo foi revelado pelo gravador inglês Thomas Berwick, no final do século XVIII, coincidindo com o grande desenvolvimento da imprensa. Por utilizar madeiras de corte perpendicular ao tronco das árvores, esta técnica garante grandes tiragens, devido à dureza da madeira usada como matriz. Em contraponto a esta dureza que pode revelar uma ligeira dificuldade no ato de gravar, surge a riqueza de nuances e infinitos detalhes concernentes à xilogravura de topo”.
A GRAVURA
A gravura apresenta-se basicamente em quatro vertentes: xilogravura, calcografia (gravura em metal), serigrafia e litografia, que se desenvolvem na história da humanidade por razões distintas.
No fim da Idade Média, na Europa, surgiu a xilografia em conseqüência de uma demanda cada vez maior do consumo de imagens e livros sacros a partir da invenção da imprensa por Gutenberg, quando as iluminuras e códigos manuscritos passaram a ser um luxo de poucos. A gravura em madeira seria um meio econômico de substituir o desenho manual, imitando-o de forma ilusória e permitindo a reprodução mecânica de originais consagrados. No século XX, artistas como Picasso, Matisse e os expressionistas alemães utilizam-se dessa linguagem como forma de expressão artística, abrindo caminho para as experimentações próprias da arte contemporânea.
Existem dois tipos de corte de madeira para xilogravura: madeira de fio - cortada no sentido dos veios da madeira, caracterizando-se por relativa maciez e sensibilidade às goivas do artista; e a madeira de topo - cortada no sentido longitudinal da árvore. Extremamente dura, é trabalhada com o buril. O resultado é uma gravura de traços mais precisos, rica em nuances.
Por volta do século XV surgiu a gravura em metal, principalmente nos ateliês de ourivesaria onde era comum imprimir os desenhos das jóias e brasões em papel para melhor visualização das imagens.
Gravura em metal consiste em gravar linhas finas, com diferentes profundidades, (cortar diretamente) na chapa de metal - geralmente cobre ou latão. São nessas linhas que ficará a tinta para a impressão. A lâmina de metal retém a tinta nos sulcos, necessitando apenas limpar a superfície da matriz, para depois imprimi-la em papel apropriado.
Já no século XVIII, surgiu a litografia, mais precisamente no ano de 1796 criada por Alois Senefelder. Nesse processo a gravação da imagem se realiza pela ação de ácido nítrico diluído em goma arábica sobre a pedra litográfica. Tal fato torna a pedra mais hidrófila, reforçando essa sua propriedade natural e estabilizando a gordura em sua superfície, elemento constitutivo da imagem.
A matriz da litografia é uma qualidade hidrófila de pedra calcária, ou placas granidas de alumínio e zinco. O desenho é feito com material litográfico, que contém gordura em sua composição. Na gravação espalha-se sobre o desenho uma camada de goma arábica e ácido nítrico. Durante o processo de impressão, as áreas sem imagem absorvem a água, repelindo a tinta, que adere apenas na imagem.
A serigrafia, por sua vez, remonta a vários séculos de uso por chineses e japoneses, basicamente na pintura têxtil. As primeiras aplicações gráficas foram americanas, no início do século XX. Seu princípio técnico básico é a utilização de tela de seda como matriz, estendida sobre um bastidor de madeira. O desenvolvimento de novos materiais sintéticos, como o nylon, trouxe grande salto de qualidade gráfica.
Buril, Goiva e Ponta Seca são instrumentos específicos para o corte e incisão das matrizes de gravura. O buril e a goiva são instrumentos pontiagudos com diferentes formas que cortam a matriz abrindo linhas profundas e delgadas. A ponta seca é uma ponta metálica afiada que risca a matriz de metal, traçando uma linha fina cujas rebarbas resultam na impressão de uma linha aveludada.
A GRAVURA NO BRASIL
As primeiras gravuras feitas no Brasil surgem em meados de 1600, durante o período de Maurício de Nassau. Artistas desconhecidos representam em xilogravura a fauna, flora e a sociedade da época. Com a chegada da família real em 1808, cria-se a Imprensa Régia, e também se inicia a fundação da Academia de Belas-Artes, destinada a ensinar as artes e os ofícios artísticos. O grupo responsável pela abertura da Academia ficou conhecido como Missão Francesa, eram pintores, escultores, gravadores e arquitetos influenciados pelo Neoclassicismo europeu. João Batista Debret e Rugendas fizeram parte da Missão e criaram gravuras que retratavam as paisagens e costumes da colônia.
No começo do século XX, Carlos Oswald realiza suas primeiras águas-fortes em Florença, expondo-as no Brasil em 1913, no Rio de Janeiro. Influenciada pelo expressionismo alemão, Anita Malfatti executa algumas gravuras em metal e em 1914 faz uma mostra em São Paulo. Nos anos 20, Oswaldo Goeldi inicia-se na gravura de madeira. Na década de 30, Lívio Abramo começa suas xilogravuras e linoleogravuras relacionadas com o expressionismo.
Na década de 50 surgem os clubes de gravura que possuíam como maior característica o regionalismo. Essa característica influenciava diretamente a temática dos grupos. Como exemplo disso surge o Clube de Gravura de Porto Alegre que procurava retratar em suas obras uma temática política e popular, buscando uma identidade nacional.
É através das Bienais e também de exposições vinculadas pelos novos museus, MASP e MAM, que chegam ao Brasil o construtivismo, neoplasticismo e os princípios da Bauhaus. Essas novas correntes artísticas também influenciam os gravadores da época que iniciam um processo de abstração. Como participante do abstracionismo como estilo artístico, em 1958, Fayga Ostrower recebe o prêmio de gravura na XXIV Bienal de Veneza.
Ainda podemos citar o lado popular da gravura, como por exemplo, a xilogravura de cordel nordestina. Esse tipo de gravura objetivou ilustrar a literatura de cordel e consolidou-se entre as décadas de 30 a 50. No início os escritores rimavam as histórias, as lendas e os exemplos de moral, que já vinham de uma longa tradição, modificados, porém, pelas condições específicas da vida nordestina. Com o tempo foram escrevendo versos que refletiam a realidade do Nordeste: a seca, o cangaço, a abertura de ferrovias e suas conseqüências, a crise, a guerra. Falavam também sobre os acontecimentos locais como eleições, enchentes, desastres, Padre Cícero, Frei Damião. Alguns artistas brasileiros contemporâneos, como Gilvan Samico, apropriam-se da linguagem do cordel e fazem hoje, uma gravura que enaltece os símbolos essenciais da cultura popular. Nas décadas que se seguem temos múltiplas e diversificadas linguagens para a conhecida gravura.
No Espírito Santo, Dionísio Del Santo, mestre na serigrafia, pesquisa a técnica e o lúdico, a cor e a interferência no jogo da impressão. Raphael Samú também explorou a gravura. Na década de 60 realizou trabalhos que retratavam o município de Vitória, em xilogravura. Com a serigrafia, trabalhou na criação tanto de cartazes de divulgação de eventos, quanto na elaboração de um trabalho pessoal. O artista colaborou de forma decisiva para a divulgação da gravura no ES.
Dentro da Universidade Federal do Espírito Santo surge na década de 90, no Atelier Livre de Gravura em Metal, coordenado pela professora e gravadora Maria das Graças Rangel , o “Grupo Varal de Gravura”. O grupo, formado inicialmente por Andressa Sily, Célia Ribeiro, Edelza Flor, Iliamara Cardoso, José Gomes, Joyce Brandão, Márcio Luiz dos Santos, Mercedes Antoniazzi, Natália Branco, Nilza Souza, Raquel Baelles, Samira Margotto, Sandra Gabler, Virgínia Collistet e Yara Mattos, participa ativamente de exposições entre 1993 e 2000, desenvolvendo workshops e palestras, onde discutiam as técnicas de gravura e as experiências no ensino da gravura. Essas atividades chegaram até a Alemanha e Estados Unidos. Os artistas integrantes do grupo seguiram trajetórias diferentes a partir da dissolução do grupo em 2000.
Atualmente, a gravura no ES tem sido representada individualmente por Maria das Graças Rangel, José Gomes, Júlio Tigre, Raquel Baelles, Romilda Patez, Lucy Aguirre, Vanda Ribeiro.
"Hoje, não vejo mais a efervescência do movimento de gravura. São momentos esporádicos e individuais.
Tivemos dois momentos importantes da Gravura no ES. A vinda de Raphael Samú para Vitória, propiciou a introdução, de maneira organizada, a Gravura no Centro de Artes da UFES, naquele momento, Escola de Belas Artes do ES. Nos anos 60 e 70, Vitória, ou propriamente o Centro de Artes conheceu e desenvolveu as diversas modalidades da gravura, com cursos especiais de serigrafia com Dionísio Del Santo, Antonio Grosso com a litografia, quando da compra da prensa e pedras litográficas. Samú, com o seu entusiasmo pela gravura, envolveu alunos e professores, no trabalho nas oficinas específicas do Centro de Artes.
O segundo momento, também dentro do Centro de Artes, como uma herança de paixão pela técnica, em horário extra aulas, o Ateliê Livre de gravura permitiu que professores, alunos e comunidade desenvolvessem um trabalho que culminou com o Grupo Varal de Gravura.
Hoje, podemos apontar alguns nomes - José Gomes que este ano fez oficina e exposição na Alemanha, Yara Mattos, com a infogravura, Virgínia Collistet, Raquel Baelles e Maria das Graças Rangel - que continuam no exercício da gravura. Penso que todos os que integraram o grupo, por ter sido aqueles sete anos muito intensos, continuarão a pensar gravura."
(Maria das Graças Rangel)
AS REFERÊNCIAS
Avessos a delimitações muito precisas e específicas de movimentos ou artistas que possam ter influenciado o processo de criação das obras apresentadas nesta exposição, Gabriel Vieira acredita que esta não é sua função:
“Continuo com meu pé no chão fazendo meus trabalhos. Deixo para aqueles que se dedicam ao trato crítico essas definições. Sinto-me mais à vontade gravando. Porém, não posso negar que venho de uma escola expressionista e essa raiz tem forte influência no meu trabalho”.
Mesmo assim, o artista aponta alguns nomes que são referência na história da arte e da gravura: Lívio Abramo, Oswaldo Goeldi, Segall, Käthe Kollwitz e Fayga Ostrower. Mas, acredita que é possível não encontrar nenhum rastro das obras desses artistas em seu trabalho, sem que isso impeça de admirá-los e reconhecer a importância de suas produções. Gabriel prefere acreditar que suas referências estejam em uma “realidade mais palpável”, ou seja, gravadores que fazem parte de seu convívio e de seu cotidiano. “O próprio Gian é uma das minhas influências que geram bons frutos. Não posso deixar de citar Kazuo Iha, Adir Botelho e principalmente Marcos Varela. Todos foram, e ainda são, mestres para mim”. Segundo o mestre gravador Adir Botelho o trabalho de Gabriel “se dirige da natureza ao espírito [...] alterna momentos de divagação com toques de realidade”.
Gian sintetiza de forma clara esta relação com as obras e artistas que admira: “Não buscamos referências, mas sim revelamos influências que nos remetem a experiências estético-visuais de nossa individualidade”.
E acrescenta alguns nomes de referência para a produção da gravura: Marcelo Grassmann, Gilvan Samico, Darel Valença, Roberto Magalhães, Renina Katz, Goya, Rembrandt, Escher. Além de outros tantos vindos da pintura, como Pollock, Basquiat, João Câmara, David Hockney, Berber, Modigliani e Francis Bacon.
Buscando entender melhor essas influências pesquisamos sobre a vida e a obra de Carlos Oswald, Lívio Abramo, Marcelo Gassmann e Marcos Varela. Desta forma, estaremos construindo subsídios que poderão ajudar-nos a pensar uma proposta educativa para a exposição Metal Madeira que abarque não só as obras dos artistas em questão, mas também que mostre aos alunos as referências que o artista utiliza para a construção do seu trabalho.
CARLOS OSWALD
Carlos Oswald nasce em Florença em 1882. Gradua-se como físico-matemático em 1902. No ano seguinte ingressa na Academia de Bela Artes de Florença. Viaja para o Brasil em 1906 realizando sua primeira exposição de pinturas. Aprofunda seus estudos sobre gravura em Florença e Munique. Inicia sua carreira como professor em 1914 no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro.
Ao defender a gravura como linguagem Oswald afirma:
Sei que em todo o mundo o despertar do interesse pela gravura nasceu e se desenvolveu no nosso século pelas razões que todos conhecem: 'sintetismo', em oposição à exagerada policromia dos pós-impressionistas; entusiasmo pela ressurreição desta arte que tinha sido morta pelos processos mecânicos derivantes da fotografia; o misterioso de seus efeitos de claro-escuro e sua técnica de feitio alquimista; sua prática que lhe facilitava a repetição em muitos exemplares e que a tornava uma arte mais harmoniosa com os nossos costumes democráticos; uma arte democrática, enfim; e, finalmente, seu caráter de novidade que fazia arregalar os olhos não só ao público em geral, mas à maioria dos próprios artistas quando se lhes falava de água-forte, ponta-seca, água-tinta, mezzotinta, talho-doce, xilografia, etc.
Na década de 20, com a chegada do modernismo, suas encomendas começam a cair. Mas mesmo assim, Oswald mantém-se fiel às suas referências artísticas, não acompanhando as novas tendências. Prossegue seu trabalho de cunho religioso, criando painéis e vitrais para igrejas. Concomitante a isso continua seu trabalho de professor e gravador.
Sobre a vida do artista depõe sua filha Maria Isabel Oswald Monteiro:
"Nenhum gênero ele deixou de abordar, por vezes concomitantemente. Fez pintura mural e de cavalete, gravura, desenho e ilustrações, foi vitralista, professor e articulista, tudo isso sem deixar de manter uma intensa vida social freqüentando concertos, reuniões e exposições. E esteve sempre presente como pai em nossas vidas, embora suas atividades mais ainda se multiplicassem ao atender a qualquer chamado relativo a assunto de arte. Fez parte de comissões institucionais as mais diversas, interessando-se profundamente pelo que fazia, dando-se todo a qualquer empreendimento com o qual resolvesse colaborar. Quem o conhecesse socialmente não faria idéia da profundidade de sua vida religiosa. Dela não falava. Falavam as obras."
LÍVIO ABRAMO
Em 1903, em Araraquara, São Paulo, nasce Lívio Abramo. Inicia sua carreira artística como ilustrador, trabalhando em pequenos jornais e revistas. Influenciado por Goeldi e outros gravadores expressionistas, realiza suas primeiras gravuras em 1926. Sobre isto o próprio artista comenta:
Num salão enorme vi uma exposição de gravadores alemães fabulosos, e da Bauhaus na primeira fase. Havia uma coleção magnífica de gravuras originais de todos os gravadores alemães expressionistas - Heckel, Schmidt-Rottluff, Barlach, Lyonel Feininger, Käthe Kollwitz -, só da Käthe Kollwitz havia mais de dez gravuras fabulosas. Todos os expressionistas alemães estavam lá, e era uma gravura melhor que a outra. Bem, depois dessa exposição, eu resolvi: 'É isso que eu quero fazer!' As gravuras de Goeldi e as alemãs é que despertaram em mim a vontade de fazer gravura. Saindo dessa exposição, fui para casa, peguei uma gilete e um pedaço de madeira e fiz a minha primeira gravura; depois arranjei uma goiva, depois duas, e assim foi que comecei a gravar.
Alguns anos depois, envolve-se com movimentos políticos de esquerda, o que reflete em sua escolha temática que se torna voltada para o social. Aprofunda seus estudos na Europa, aperfeiçoando-se em gravura em metal. De volta ao Brasil, em 1953, inicia sua carreira como professor de gravura. Engaja-se no programa modernista influenciado pela vertente não figurativa.
Sobre seu trabalho Tadeu Chiarelli esclarece:
"Esgotando, pouco a pouco, o compromisso explícito em denunciar as mazelas do capitalismo e o sofrimento provocado pelas guerras, nota-se, na trajetória de Lívio Abramo, um conflito muito grande, já mencionado: por um lado, um desejo de retomar a necessidade de criar uma iconografia, ao mesmo tempo atual e tipicamente brasileira; por outro, abrir-se ou opor-se ao desafio que as vertentes não figurativas internacionais colocavam para os artistas locais."
MARCELO GRASSMANN
Marcelo Grassmann nasce em São Simão, São Paulo, em 1925. Inicia-se na arte com 12 anos quando descobre as histórias em quadrinhos e as ilustrações de Gustave Duré. Sua carreira profissional começa em 1939, quando estuda fundição mecânica e entalhe em madeira no Instituto Profissional Masculino de São Paulo. Após estes estudos dedica-se à xilogravura, aprofundando-os em Viena, na Áustria.
Suas primeiras xilogravuras seguem uma linha expressionista, onde estão presentes arabescos e pontilhados conseguidos por meio da gravura de topo. Após esta fase incorpora em sua temática figuras fantásticas, como sereias, monstros fabulosos, demônios ou figuras antropozoomórficas. Nessa fase aproxima-se de um universo mágico, influenciado principalmente por Bosch.
[...] embora formalmente a Renascença tenha me dado muito mais que a Idade Média, a Idade Média era mais carregada de coisas interiores, a meu ver, do que a Renascença, que já começava com uma preocupação formalista, de estilo, maneira, de como encarar as coisas, mais do que quais as coisas a serem encaradas. Os flamengos adoravam fazer o inferno, porque no inferno havia a proposta de milhões de fantasias. Bosch, por exemplo, parte para toda aquela loucura de figuras dentro de armaduras, meio peixe, meio gente, meio cômico e, no fundo, eu sofri influências importantíssimas dele. O mundo de Bosch é cheio de diabolismos, de fantasias, de coisas que não são de todo mundo. Já a China me deu duas coisas: um dragão e alguns diabinhos. Os etruscos me deram pouca coisa, os egípcios me deram muito mais, com suas zoomorfias religiosas.
Seu processo criativo está ligado ao imprevisto. Segundo o artista seu trabalho inicia-se com uma idéia preexistente que se modifica devido às variações que o próprio material provoca. Sobre suas investigações concernentes a calcogravura coloca:
Ás vezes, eu parto para outras coisas dentro daquilo que já estava pronto, acabo voltando ao ponto de partida, isso é que é fascinante. Eu diria mesmo, que esse é o fascínio da gravura em metal. Eu sempre achei que o grande momento da criação da gravura em metal é aquele em que você diz: 'Essa chapa está perdida!'. Porque daí você diz: 'O que é que eu posso fazer?' É alguma coisa como um desafio. É evidente que se você pegar uma placa virgem é muito mais simples reelaborar tudo, mas já seria uma outra abordagem. O desafio, exatamente, não é recuperar uma chapa, mas como fazer um insucesso se tornar uma obra de arte. [...]
De uma forma geral seus trabalhos estão ligados a um conteúdo que revela o lado escuro e misterioso da alma humana. Representa a crise do homem contemporâneo, suas angústias e incertezas, frutos de uma sociedade consumista em que os valores éticos estão sendo distorcidos pelo pensamento capitalista que transforma o homem em máquina que repete ações e pensamentos que lhe são impostos.
MARCOS VARELA
Marcos Varela, artista plástico e professor de gravura da Escola de Belas Artes da UFRJ, possui muitos prêmios de participação em exposições nacionais e internacionais.
Em entrevista dada à equipe do Espaço Cultural, sobre o seu trabalho, o artista e mestre em História da Arte coloca:
Meu trabalho é essencialmente de gravura - xilogravura e gravura em metal. Sou professor na Escola de Belas Artes - UFRJ, desde 1980 destas disciplinas e venho atuando como professor e gravador paralelamente. Tenho procurado expor regularmente, na medida do possível, em exposições individuais e coletivas e eventos como salões de arte, este é meu contato maior com o circuito de arte e por motivos didáticos priorizo exposições em circuitos culturais como universidades e centros culturais ao invés de galerias de arte. Minha linguagem artística insere-se no expressionismo, que tem bastante tradição na gravura de modo geral. Parto sempre de um esboço inicial, mais ou menos definido para efetuar uma gravura, sendo que esta idéia inicial é muitas vezes modificada no decorrer do trabalho até dar por finalizado. Para mim a arte é uma atividade essencial, que envolve o aspecto criativo, o mais importante, sendo o resto, divulgar, expor, vender, uma conseqüência posterior. independente da feitura do trabalho em si.
Quanto instigado a falar sobre seus ex-alunos, Gian e Gabriel, Varela comenta:
Foram brilhantes alunos que além do aprendizado técnico da gravura, sempre procuraram desenvolver suas linguagens pessoais, suas criatividades. São autores figurativos, diferentes entre si no sentido do sentimento expresso em seus trabalhos, mais dramáticos em Gabriel mais líricos nos do Gian, mas ambos com profundos conhecimentos da técnica. De certa forma eles mantêm uma tradição da gravura como meio de expressão dos mais importantes na arte brasileira.
Adir Botelho é gravador, pintor, ilustrador, diagramador, artista gráfico, desenhista e professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estudou desenho no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, e arte da publicidade e do livro na ENBA-UFRJ, onde conviveu com Oswaldo Goeldi. Integrou o Conselho de Coordenação dos Cursos da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, antiga Enba, e estruturou o curso de graduação em Gravura, implantado em 1971. O artista carioca, muito conhecido pela interpretação da obra Os Sertões de Euclides da Cunha na série de gravuras Canudos, apresentou suas gravuras individualmente no MNBA e em várias Bienais de São Paulo, além de participar de exposições coletivas pela Alemanha, Japão, Chile, Colômbia, Costa Rica, Finlândia e Bélgica.
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