A ARTISTA
MARIANA CANEPA
O início: o contato com a terra A ceramista Mariana Canepa nasceu no Chile em 1952 e passou sua infância no campo, nos arredores de Santiago. Como veremos a seguir, o contato direto com a natureza, com a terra e com a cultura local influenciaram de forma determinante as escolhas artísticas de Mariana. Segundo a artista, em seu país o artesanato em cerâmica é cultivado como parte importante do Folclore local. Além disso, seu avô paterno de origem italiana, trabalhava com a terra cultivando vinhedos e era um excelente artesão. Ao mesmo tempo que vivia em contato com a terra vivendo com a família no campo, a ceramista freqüentava a escola da cidade de Santiago e estabelecia outros contatos: “Eram formas mais eruditas de conhecimento, com outros familiares que eram ligados ao teatro, e com os quais tive acesso a outro tipo de formação: livros e músicas.” A Formação Artística: Em 1974 a artista vem para o Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro. O contato efetivo de Mariana com as Artes Plásticas só ocorrerá um pouco mais tarde quando cursava sociologia na PUC. Um pouco indecisa em relação ao curso e a futura profissão, Mariana muda a rota: inicia seu percurso artístico através da cerâmica: “Comecei a freqüentar um atelier chamado Barro-oco no Rio, onde se faziam peças artesanais e escultura de figura humana em barro.” A partir de então a artista busca outros locais de formação que pudessem lhe apresentar outras formas de criação e produção. Foi assim, nesta busca que artista chegou ao Atelier de Sylvia Goyanna(1). Esta artista e Arquiteta de formação tinha estudado Cerâmica em Londres e naquela época estava abrindo seu atelier para dar aulas no Rio: Entre os anos 80 e 90, Mariana já produzia em um atelier que dividia com Teka Portela, procurando sempre manter uma postura atuante tanto nestas associações quanto nos salões de Cerâmica e Simpósios ocorridos nesta época. Na associação de ceramistas do Rio de Janeiro faziam parte, além de Teka Portela e Silvia Goyanna, Clara Fonseca, Paulo Vergueiro e Graziela Pascual. Nesta época, no Rio de Janeiro, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (2) desempenhava um papel na formação artística da cidade e Mariana passou a participar do grupo da ceramista Celeida Tostes: “Não fiquei lá muito tempo, mas a Celeida passou a acompanhar o meu trabalho. Foi um enfoque completamente diverso da cerâmica de atelier com a qual vinha tendo contato ligada a Cerâmica Potery dos discípulos de Bernard Leach. A experiência com a Celeida foi relacionada às tradições de nossa terra, do barro cru e do cozido, das esculturas monumentais, da arquitetura da terra”. Segundo a artista, podemos observar em sua formação duas correntes distintas, mas que se refletem igualmente em sua forma de representação artística. No início, a cerâmica de atelier, fundamentada nas tradições e técnicas européias e de influência oriental. E mais tarde, sua passagem pelo Parque Lage e o contato com Celeida Tostes (3) agregam a sua produção aspectos da cerâmica da terra, ancestral, arcaica, antropológica. “Entre estas duas vertentes surge meu trabalho pessoal, diferenciado e acredito que transformador no sentido das tradições herdadas”. Exposições e PrêmiosAmpliando ainda mais sua formação e visando enriquecer sua pesquisa de materiais e técnicas, Mariana participa de inúmeros workshops ocorridos nesta época e freqüenta os cursos de formação artística organizados pelo MAM (Museu de Arte Moderna). Em São Paulo, visita diversos ateliês e conhece os ceramistas mais atuantes da cidade como Célia Cimbalista e Norma Grinberg. Toda essa busca por conhecimento refletiu positivamente em sua produção artística: “O importante desta fase foi a obra que eu produzi para a exposição ‘Releitura’ do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Com essa obra ‘Manto’ eu procurava dar a mobilidade do tecido em um meio rígido como é a cerâmica. Ela causou grande impacto, tanto pela proposta quanto pela execução da obra”. Além desse importante trabalho, a artista foi premiada no X Salão de Cerâmica do Rio Grande do Sul: “Eu ganhei como prêmio neste salão a minha primeira exposição individual em 1993”. Um outro trabalho de grande destaque na produção artística de Mariana foi a obra apresentada na Exposição “A Cerâmica na Arte Contemporânea Brasileira”. A artista apresenta nesta ocasião uma paisagem fragmentada que é suportada por uma estrutura de ferro: “A utilização de um outro material para solucionar os problemas de suporte da cerâmica de forma harmônica, deste trabalho foi o que mais chamou a atenção”. Em 2000, a exposição “Imagens do Silencio” realizada no Espaço Cultural dos Correios marca de forma significativa a trajetória artística de Mariana, tanto do ponto de vista da ocupação do espaço quanto na temática recorrente que gira em torno das formas encontradas na natureza, muito ligada a terra e a vegetação. Na verdade essas formas foram buscadas em um universo bem específico da história de vida da artista, vejamos as palavras do professor João Wesley de Souza (4) Sobre esse aspecto da obra de Mariana: Em 2004 a artista apresenta em São Paulo e no Chile a exposição “Quilhas do Tempo”. As obras expostas apresentam uma trama de filamentos no interior de suas superfícies. Ao primeiro olhar a obra se mostra apenas como textura desta superfície, mas a movimentação do observador em torno da obra faz que ele descubra o que há por de trás, os esquemas escondidos e as formas camufladas. O PROCESSO DE CRIAÇÃOO processo de criação de suas peças não segue um ritual pré-determinado, mas alguns procedimentos são freqüentes em seu trabalho de criação: “Eu desenho antes de fazer minhas peças, olho para o próprio trabalho e para os meus desenhos, livros, fotos e imagens variadas”. Eles podem ajudar no encontro de soluções para questões formais que fazem parte do trabalho, mas no geral é o próprio trabalho que apresenta as questões e assim vai evoluindo. ![]() Na prática, gosta de trabalhar sozinha, somente em casos de necessidade é que a artista contrata um ajudante para a parte pesada e mecânica do processo de criação. Ainda sobre esse momento importante de seu ofício Mariana comenta: “A criação pode ser provocada de diversas formas e também é uma questão de época; tem épocas de viajar, ver coisas, absorver, olhar, sentir e outras de executar, são ciclos, que se sucedem”.
Nesta pesquisa Maria Regina Rodrigues destaca um aspecto do percurso da criação do trabalho de Mariana Canepa para exemplificar o processo de criação que surge do contato e do manuseio da matéria: “Nas obras mais recentes de Canepa (2000), podemos notar que a artista trabalhou grandes esculturas, utilizando finas camadas de argilas de diferentes colorações, fruto de uma pesquisa realizada para trabalhos menores” (RODRIGUES, 2004). Vejamos as palavras de Mariana Canepa sobre assunto: “Os trabalhos pequenos me servem como laboratório para começar a planejar as peças maiores. Foi precisamente fazendo peças de bijuteria que fui investigando as mesclas de argila e as possibilidades técnicas de cada pasta, traço distintivo do meu trabalho hoje em dia”.
É importante destacar que com relação ao processo de criação de Mariana Canepa os procedimentos e ações não são limitados a este exemplo citado acima, ela percorre todas as variadas atitudes apontadas pela pesquisa da professora Maria Regina Rodrigues. Esta simultaneidade de ações que preparam e provocam o ato criativo é prevista pela própria autora: Essa idéia de interação e dinamismo explica algumas afirmações da artista com relação ao seu processo de criação vistos até o momento que em outras palavras pode ser resumido assim: o olhar que se volta para o seu trabalho e o dos outros como forma de inspiração, o desenho como procedimento para soluções formais, o manuseio da matéria como provocador de novas idéias e os diferentes ciclos que envolvem o processo criativo, diferentes tempos que cada um a seu modo contribuem para a construção da obra: “tempo de olhar, de absorver, de sentir e de executar”, segundo palavras da própria artista. Acrescidos a estes aspectos Mariana ainda destaca a importância do ambiente do atelier: “Em geral, gosto de estar rodeada de as minhas obras, ou de partes delas, o que cria um ambiente propicio, e também de ter outros materiais os mais variados, de espaço amplo, muita luz, e meus livros, que são fonte de pesquisa e inspiração”. Vimos então, quais são as atitudes e procedimentos da artista em seu processo de criação. Falaremos a seguir sobre a relação de Mariana Canepa com a linguagem artística escolhida: a cerâmica. Algumas palavras sobre a artistaVisando uma aproximação maior com a obra da artista Mariana Canepa, conversamos com o Prof. João Wesley de Souza da Universidade Federal do Espírito Santo que acompanha e escreve sobre a produção artística da ceramista chilena nos últimos tempos. A referência à origem A maturidade: a busca da essência A circulação da obra
AS REFERÊNCIAS Muitos são os artistas que Mariana Canepa admira. Dentre uma longa lista deles estão esses quatro que, por vezes, não se relacionam diretamente aos trabalhos integrantes dessa mostra, mas que sem dúvida não deixam de povoar o imaginário da artista. Antoni Tàpies (1923) O que mais se destaca na obra de Tàpies é a importância que o artista dá à matéria. Em seus quadros predominam as texturas rugosas e pastosas. Ele trabalha integrando todos os elementos possíveis: areia, pedra e palha. As cores da terra estão em quase todos os seus quadros, os tons preferidos são os marrons, ocres, terra e o preto. A abstração é absoluta, sendo permitida apenas a introdução de certos símbolos, embora com um significado muito subjetivo. Entre os numerosos signos utilizados na obra de Antoni Tàpies, a cruz é o mais recorrente e fundamental para a compreensão do conjunto de seus trabalhos. O símbolo da cruz dá ao artista uma grande variedade de significados: a cruz, e a letra x, como coordenada espacial, como imagem do desconhecido, como símbolo do mistério, para marcar um território ou como marca para sacralizar lugares, objetos, pessoas ou partes do corpo. Além disso seus trabalhos relacionam-se com os grafites populares urbanos, se acordo com alguns críticos de arte suas telas podem ser comparadas a muros grafitados.
Este artista catalão também se aventurou na Arte Povera e no conceitualismo, retirando objetos de seus contextos. Suas esculturas se mantêm dentro da linha de suas pinturas. Suas obras mais importantes estão na fundação que leva seu nome, na cidade de Barcelona. Eduardo Chillida (1924-2002) Eduardo Chillida nasceu na cidade de São Sebastião, na Espanha, em 1924. Foi jogador de futebol, mas uma contusão o retirou dessa profissão. Iniciou seus estudos em Arquitetura, mas logo decidiu dedicar-se a escultura, ingressando na Academia de Belas Artes de São Fernando.
Seguindo a tendência de criar esculturas para permanecerem a céu aberto, em 1977 o artista realizou série de esculturas “El peine del vento”. Essas eram fixadas em pedras em frente ao mar.
Em setembro de 2000, Chillida realizou um de seus grandes sucessos. Na cidade de Hernani, abriu as portas do museu chamado Chillida-Leku (Casa de Chillida). Esse espaço é rodeado por campos e bosques com a idéia de criar um ambiente que contribuísse para a divulgação da obra do artista dando uma mostra representativa da trajetória artística do artista. Sylvia Goyanna (1946)
Entre muitas exposições coletivas e individuais, no Brasil e no exterior, Sylvia Goyanna, em 2001 planejou a exposição “Pares e Díspares”, realizada no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Nessa mostra os objetos cerâmicos vão além da questão utilitária. O vaso, um dos principais recipientes de uso, passa a ser visto dentro de uma grande contradição: a forma útil e a forma não útil. “Em Pares e Díspares acredito ir além da questão do uso e de meu trabalho anterior, quando falava de moringas e pratos e onde a questão central era a negação do uso. Agora eu trabalho com a forma do vaso enquanto herança de todas as culturas, arquétipo no inconsciente coletivo que tem ligações simbólicas para além do uso”. Celeida Tostes (1929-1995)
Dentre sua produção artística destaca-se a performance Passagem, que foi realizada em 1979, no apartamento da artista. Sobre sua atuação Celeida fez uma reflexão em forma de poesia: “Despojei-me Entre 1980 e 1995 foi coordenadora do projeto Formação de Centros de Cerâmica Utilitária nas comunidades da periferia Urbana, no Morro do Chapéu Mangueira, Rio de Janeiro, RJ. Tudo começou quando artista foi convidada para assistir um ensaio da Mangueira. Ao subir o morro escorregou por causa da chuva forte e caiu. Todos preocupados com ela, correram para acudi-la, ela calmamente exclamou: “Maravilha! Que argila boa tem aqui!”. Empolgada, Celeida fundou o núcleo de cerâmica utilitária do Morro do Chapéu Mangueira. As mulheres da comunidade faziam as panelas de barro para usar lá mesmo. Segundo o professor Luis Áquila depois houve um excesso de produção. “Venderam as panelas na feira do Leme e também em algumas lojas de artesanato. Posteriormente, algumas mulheres começaram a fazer doce, para vender, num local ao lado do atelier de cerâmica. No Morro de Chapéu também foi criado um núcleo de serviços na comunidade que contava com ajuda de outros profissionais. Núcleo criado a partir de um tombo de nossa artista”. NOTAS: 1 - Ver capítulo Referências 2 - A Escola de Artes Visuais do Parque Lage é palco de inúmeras manifestações vinculadas às artes plásticas no Brasil e foi fundada em 1975. Desde sua criação, funcionando como escola aberta, a instituição se mantém como o principal núcleo brasileiro de formação em artes visuais, um fórum de reflexão e debate sobre os principais problemas da arte atual. Freqüentaram seus cursos muitos dos mais importantes nomes da produção artística contemporânea do país, conquistando a escola uma projeção nacional e internacional indiscutível. 3 - Ver capítulo Referências 4 - Professor de escultura e coordenador do curso de Artes Plásticas da Universidade Federal do Espírito Santo 5 - Professora de cerâmica e Coordenadora do departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo.
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